ALICE

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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Carta a uma filha que ainda não vai à escola

Alice,
estás quase com 4 anos, olho para ti e vejo-te tão crescida, senhora de si que tantas vezes me diz: "Eu é que sei o que sei!" como conseguisses ser dona de todas as tuas ações.
A maioria dos meninos da tua idade já anda na escola e antes de te ter nos meus braços pensava que também tu estarias por esta altura. Mas continuas em casa, desde que nasceste, com o teu pai e agora com o teu mano. Todos os anos o tema vem à baila: Escola? Sim ou não? mas nunca perdemos muito tempo a falar no assunto. Eu faço a pergunta ao teu pai, a quem te cuida enquanto trabalho e ele responde-me sempre com um "ainda não" e o meu coração de mãe suspira de alívio a cada "ainda não".
Sabes de uma coisa, não é medo de te ver sair todos os dias, quem sabe um bocadinho, mas é mais o querer-te perto de nós. É o acreditarmos que o melhor para nós (eu, o teu pai, tu e agora o teu mano) é passarmos o máximo de tempo juntos.
É acreditarmos que somos nós que te devemos ensinar e educar.
É acreditarmos que estás mais segura em casa.
É acreditarmos que gostas mais de ficar de pijamas toda a manhã do que vestir o teu vestido mais bonito e ir para a escola.
É acreditarmos que uma sala com 20 ou mais crianças é pequena demais para cresceres, pequena demais para tantas crianças.
É acreditarmos que precisas mais do teu mano e ele de ti do que de todas as crianças que possas conhecer na escola.
É acreditarmos que ainda é cedo demais para não dormires da tarde porque não queremos que às 19h já estejas perdida de sono.
É acreditarmos que é mais importante saberes cumprimentar as pessoas na rua do que saber que um triângulo tem 3 lados.
É acreditarmos que é mais importante dizeres os nomes de quase todos os legumes e frutas da bancada do mercado do que a saber história do Capuchinho Vermelho e do lobo mau que lhe come a avozinha.
É, acima de tudo, acreditarmos que em casa és mais feliz do que na escola.

E ouço tantas e tantas vezes que o convívio com as outras crianças te faz falta. Ouço que já estás mais do que na altura para ir para a escola. Ouço que quanto mais tarde é pior. Ouço que sou mãe galinha. Ouço que não te quero deixar crescer. Mas sabes, não me incomoda. Acho até que compreendo o que as pessoas me tentam dizer mas não penso de igual forma.
Eu sei que te posso dar o melhor e que o dou, todos os dias quando ficas entregue ao cuidado do teu pai.
Como posso eu pensar que estarias melhor com outro adulto que partilha a atenção com outras 20 ou 25 crianças? Como posso eu pensar que aprenderias o mais importante com uma educadora do que com o teu próprio pai? Como posso eu pensar que te falta convívio com crianças quando tens um irmão que será teu parceiro para a vida? Como posso eu pensar que te faltam as tintas e os pincéis, o quadro de ardósia, os gritos e correrias, a hora de comer e de dormir, a hora da história quando fazes isso tudo na tua própria casa?

Vai chegar um dia, dia em que aprenderás mais na escola do que em casa. Vai chegar o dia em que não bastará saber o nome dos legumes, cumprimentar ou correr pela casa. Vai chegar o dia em que estarás horas seguidas sentada numa secretária a aprender a ler e a escrever, a contar e a multiplicar.
Talvez vás chorar, chorar aquilo que não choravas se tivesses entrado antes de 1 ano. Talvez eu vá chorar, chorar aquilo que nunca chorei por nunca te ter deixado com estranhos. Talvez choremos as duas abraçadas como se o mundo tivesse prestes a ruir. Talvez seja o teu pai a deixar-te porque ele é mais prático, mais resistente e bem mais firme do que eu. É como tu dizes: "A mãe é molinha!" Tu sabes que o meu coração vacila, estremece no teu choro... e que a capa que eu uso é mais transparente do que água e mesmo que a minha voz grite em alto e bom som, os meus olhos denunciam-me e revelam a fragilidade da minha alma. Sim, sou frágil, tão frágil desde o primeiro momento que te ouvi gritar no bloco de partos. Apercebi-me como a invencibilidade que julgamos ter quando somos jovens adultos desaparece quando temos filhos. Apercebi-me que posso morrer a qualquer momento e deixar-te. Apercebi-me que podes tu partir e contigo levar-me mesmo que não fosse de corpo e alma.

Este ano a tua escola continua na tua sala. Tens um professor que te adora mais que tudo na vida. Um companheiro de sala que te puxa os cabelos. Um ATL a partir das 15h com a melhor educadora possível. Pintas, repintas, saltas e danças sem hora marcada, vês tv e fazes puzzles, enches a sala de plasticina e deixas o teu pai maluco: "Eu vou pôr essa plasticina toda no lixo!". Dormes todos os dias por volta da mesma hora, seja segunda-feira ou domingo.

Um dia vais à escola e sei que serás muito feliz lá porque adoras aprender, fazer perguntas e brincar com outras crianças. Agora, ainda estás em casa... com o teu pai, com o teu mano e comigo.
Não é fácil, exige mais de nós, mas é aquilo que precisamos, aquilo que acreditamos ser o que tu precisas para crescer mais feliz.

Da tua mãe
 
Setembro de 2015

8 comentários:

Anónimo disse...

LINDO!
Adorei.

Até as lágrimas me cairam.

Cátia

CS disse...

Oh Cátia. Obrigada :)

Anónimo disse...

Estranho Mundo este em constante processo de busca pelo equilíbrio.

A alegria de uns VS tristeza(dor) de outros.

É a vida.

F.

Liliana Pereira disse...

CS gostei tanto mas tanto de ler. Logo agora que ando em fase de adaptacão do meu Diogo à escolinha e ando assim, lamechas e como gostava de o ter em casa mais um aninho pelo menos... como gostava...

Unknown disse...

Que lindas palavras, e que sorte a da Alice (e do mano!).
Tomara eu que o meu menino ficasse em casa. Ganham tanto, e não gosto quando me dizem que eles ficam espevitados por causa do contacto com os outros meninos, sorrio e aceno que sim. Tento também eu convencer-me disso para que a minha dor seja um pouco menor.
Beijinhos

Sandra disse...

Descobri esta publicação através da ML e ufa... não sou a única :). Neste momento o meu filho tem 2 anos e a ideia era ele ir para a creche aos 3 (eu fui aos 4) mas temos conversado sobre ele estar bem, estar desenvolvido, esperto ao cuidado ora de uns avós ora de outros que fazem coisas diferentes com ele. Agora até vai ter uma prima com quem brincar :P. Existem centros de actividades onde o podemos levar para ele ver outras crianças estar com elas sem ser no regime de obrigatoriedade e sem deixar de parte a sorte que temos de ter a possibilidade de ter o melhor de todos os Mundos que a sociedade nos apresenta :) :) :) Mas meio mundo está contra mim e o outro olha-me de lado, nada que me preocupe mas parece que está programado para a mesma coisa e acham que tem de ser assim para toda a gente :P Além disso tenho vindo a aperceber-me que muitas dessas pessoas não arranjam forma de ter tempo para estar com filhos e não fazem actividades com eles :(. BJS

andorinha disse...

Palavras perfeitas, no momento perfeito. Também eu e o meu marido nos interrogamos sobre colocar ou não a Sofia na creche. E decidimos adiar esse dia. Está em casa da avó, que a adora :)

CS disse...

Sandra, de certeza que dá o melhor ao seu filho. Como pode uma sala cheia de miúdos com 2 adultos a cuidar pode ser melhor do que estarem junto à família, com a atenção e o amor que só a família consegue dar? Eu não percebo...
Eu vou adiar até achar que o melhor para ela é a creche ou a escola. Até lá, lar doce lar.
Bj e obrigada pelas vossas partilhas. Adorei ler cada uma delas.